sexta-feira, 24 de maio de 2013

Terapia de risco: Soderbergh cria roteiro inteligente que desestabiliza o espectador


Antes de mais nada, podem ler o texto sem medo de spoilers!

Nos cinemas desde sexta-feira passada, Terapia de Risco (Side Effects, EUA, 2013) é um thriller surpreendente, com duas partes bem distintas: a primeira bem previsível e a segunda que mostra uma reviravolta completa da trama, chegando a um final inteligente e nada previsível. Eu, pelo menos, me senti até desconcertada com o roteiro. E, acreditem, pra mim isso é um elogio. Mas, não chega a ser um clássico “mind fuck”...


O diretor Steven Soderbergh conseguiu construir uma narrativa complexa que mostra a ambiguidade moral que desestabiliza o espectador, prendendo a sua atenção. A princípio (e até a primeira metade) temos a impressão de estarmos assistindo a um “protesto” contra a indústria farmacêutica e a prescrição de medicamentos para o tratamento de problemas psiquiátricos.

Até aí, parece que já vimos isso em outros filmes. Mas, do nada, heróis e vilões trocam seus papéis e assumem nuances insuspeitadas de personalidade e a natural ambiguidade dos seres humanos. O resultado é, literalmente, uma desorientação do espectador, que não se torna refém de uma lógica pré-determinada, tão comum no cinema narrativo hollywoodiano (acho que em questão de roteiros inteligentes e inovadores, os indianos e japoneses são imbatíveis).


O roteiro, assinado por Scott Z. Burns, mostra a história de Emily Hawkins (Rooney Mara, MARAVILHOSA), uma moça que aparenta ter sérios problemas psiquiátricos que se agravam com o retorno do marido (Channing Tatum, apagadinho como sempre), recém-saído da prisão. Após provocar (propositalmente) um acidente na garagem do prédio em que vive, a garota é encaminhada ao Dr. Jonathan Banks (Jude Law, em boa performance), um ambicioso psiquiatra que resolve dar uma droga experimental para o controle da ansiedade.

O psiquiatra está envolvido com os interesses da indústria farmacêutica, pois está conduzindo um estudo sobre essa nova droga e ganhando muito para tal. Emily, aparentemente, responde bem ao tratamento, mas uma tragédia, supostamente induzida pelo uso da droga (daí o título original “efeitos colaterais”) levará todos os envolvidos no seu tratamento a um confronto na justiça e imprensa, causando desastrosas consequências sobre a vida do Dr. Banks.


Mas o roteiro, mais uma vez, dá o pulo do gato, sendo a batalha judicial apenas uma transição para o outro estágio da trama. É aí que entra em cena a antiga psiquiatra de Emily (vivida por Catherine Zeta-Jones), personagem crucial para o desenrolar da trama ao redor dos personagens principais e para deixar mais claro para o espectador quem é o mocinho ou o herói nesse contexto nebuloso.

A obra cinematográfica de Soderbergh é, ao mesmo tempo, complexa em sua simplicidade e vice-versa, como se pode verificar na sequência final do filme. Um feito extraordinário que só se verifica entre realizadores que sabem aprender com os erros e acertos da própria carreira.


Pra quem não lembra, o diretor consagrou-se no Festival de Cannes, em 1989, com Sexo, Mentiras e Videotapes (Sex, Lies and Videotape). Após este feito, Soderbergh teve uma carreira tortuosa, marcada por filmes que ora alcançaram alguma repercussão, ora foram totalmente ignorados pelo público, sobretudo obras experimentais como o criticado Full Frontal (Full Forntal, 2002), chegando afinal à consagração maior com as indicações ao Oscar por Erin Brokovick: uma mulher de Talento (Erin Brockovich, 2000) e Traffic: ninguém sai limpo (Traffic, 2000) – este último rendendo-lhe o Oscar de melhor direção.


O grande público em geral desconhece que ele costuma fazer experiências técnicas e estéticas inovadoras em determinados filmes para aplicá-las em obras posteriores. Daí a sensação de semelhança entre Terapia de risco e Contágio (Contagion,  2011) e Magic Mike (Magic Mike, 2012). Assistindo a obras magistrais como Terapia de risco, dá para compreender que certos “erros” narrativos, às vezes , fazem todo o sentido.

Confira o trailer:


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